Saramago, a Bíblia e a cegueira humana

José Saramago está sempre surpreendendo os seus leitores. Desta vez, decepcionando, diria eu.

Autor de obras densas e reflexivas, como o sombrio "Ensaio sobre a Cegueira" (1995), Saramago arrebatou o prêmio Nobel de Literatura (1998) e o prêmio Camões, sendo aclamado como um dos responsáveis do reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

Respeitado por críticos e leitores em todo o mundo, Saramago passou recentemente por uma "sabatina" na Folha de São Paulo. Neste evento o "sr. cegueira" levou seus fãs ao delírio (sic) quando opinou pela irrelevância de Deus e sobre a Bíblia, a quem considera um "desastre" e uma literatura desaconselhada aos jovens. Nada de anormal, diriam alguns, para quem se autodenomina ateu, iberista e comunista.

Em relação a Deus, não há muito o que falar: ou você crê ou não crê que Ele existe. Trata-se de um tema disputado entre crédulos e incrédulos há séculos. Um ateu que aceite a relevância de Deus já não pode ser chamado ateu e, afinal de contas, o sr. cegueira tem uma reputação a zelar...

Mas, o fato que mais me chamou a atenção, é que o sr. cegueira demonstrou uma impressionante ignorância sobre a Bíblia. Seria desinformação? Acho difícil acreditar que uma pessoa tão erudita possa demonstrar um despreparo tão grande sobre a maior obra da literatura mundial de todos os tempos. Saramago justificou sua opinião (de que a Bíblia é um "desastre") da seguinte maneira: ela estaria cheia de maus conselhos, como assassinatos e incestos!

Desastre é sua opinião, sr. cegueira!!

Como um prêmio nobel de literatura pode emitir uma opinião tão desastrosa quanto essa? Ele acabou cometendo o erro mais básico de um estudante de nível fundamental: não foi capaz de fazer a correta interpretação de um texto.

Exigir que o sr. cegueira creia na Bíblia como a Palavra de Deus seria, no mínimo, muita ingenuidade de minha parte. Mas de onde ele tirou que a Bíblia dá estes conselhos?

Se a Bíblia desfruta deste desprestígio, pelo simples fato de narrar guerras e assassinatos, como também incesto e outras condutas sexuais impróprias, o que dizer de "Os Lusíadas", de Camões, o poema mais celebrado dos portugueses? O que dizer sobre as narrativas das guerras e assassinatos dos portugueses contra os mouros nesta obra? O que dizer sobre ser Venus (sim, a mesma deusa peladona dos romanos) ter sido escolhida como patrono do seu povo? O que dizer de "História" de Heródoto, com a narrativa das guerras, epopéias e lascívias entre gregos e persas? O que dizer da obra de Suetônio, intitulada "A vida dos doze Césares", que relata as vitórias, virtudes e vergonhas (morais e sexuais) dos senhores do mundo imperial romano? Seriam também livros desaconselhados aos nossos jovens?

Embora seja totalmente desnecessário dizer, pois até um jovem escolar consideraria óbvio, a Bíblia não aconselha ninguém ao assassinato e nem a condutas imorais. A Bíblia narra a história de diversos personagens e de um povo, com todos os seus detalhes, sejam positivos ou negativos. A Bíblia é um dos livros mais honestos de todos os tempos, pois corajosamente registra que grandes reis, como Davi, também foram capazes de cometer erros monstruosos.

A Bíblia, por outro lado, está repleta de ensinamentos sobre virtude, caráter, amor, perdão, retidão, respeito, tolerância, paz!

Particularmente não aprecio a obra de José Saramago, mas reconheço a sua importância para a literatura portuguesa e mundial. O sr. cegueira deveria seguir o mesmo princípio, deixando de julgar a Bíblia como um livro de religião (dos cristãos) e, corajosamente reconhecer que ela é uma das obras (se não a) mais apropriada para pessoas de todas as idades incluídos aí os nossos jovens.

Há que diga que os ateus são os mais "crentes" de todos os homens, pois defender o que eles defendem, só sendo muito (in)crédulo mesmo! A cegueira espiritual em que vivem estes homens, é mesmo um assombro difícil de se acreditar.

Saramago acabou demonstrando, mais uma vez, que em matéria de cegueira ele é mesmo um especialista.